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Arquitetura. Projeto convencional ou sustentável?

 

Usar massa térmica como substituição do concreto, reutilizar latas e pneus para construir e captar água da chuva de forma a reaproveitá-la: essas são algumas das práticas que alicerçam o Earthship, conceito idealizado pelo arquiteto e urbanista Mike Reynolds há mais de 40 anos. O norte-americano, que abriu precedente neste segmento com edificação erguida na Europa, chega ao Brasil nesta quarta, 24, para integrar a equipe que organiza a construção da Vila Sustentável Earthship, em Ribeirão Preto (SP). Ele também ministra palestras sobre a técnica conhecida ainda como Earthship Biotecture e Nave-Terra.

Personagem do documentário Guerreiro do Lixo, produzido em 2007 e com narrativa baseada na disputa judicial para legalizar suas construções experimentais no Novo México, Reynolds assina projetos deste segmento pelo mundo, incluindo países e localidades afetados por catástrofes naturais, como as ilhas Andamão, na Índia.

Os feitos do defensor da filosofia que possui elementos semelhantes à permacultura (sistema de planejamento para a criação de ambientes sustentáveis) abrangem também projetos na América Latina. Mike, em 2016, encabeçou a construção da primeira escola sustentável do continente. Localizada em Jaureguiberry, cidade que fica a 76 km de Montevideo (Uruguai), a edificação possui 270 metros quadrados e conta com mais de dois mil pneus, cinco mil garrafas de vidro, dois mil metros quadrados de papelão e oito mil latas de alumínio em sua estrutura.

“Conheci o Mike Reynolds pessoalmente em 2016, ao participar da construção da escola sustentável no Uruguai. Eu já vinha pesquisando sobre arquitetura sustentável e cheguei ao nome dele. Em termos de Earthship, para mim, o grande diferencial é o uso do pneu como parede”, destaca Fátima Souza, arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), em entrevista ao O POVO. Pela técnica de Reynolds, os pneus são enfileirados e recheados de terra prensada manualmente com uma grande marreta, o que torna a temperatura interior agradável, devido à inércia térmica dos materiais, explica a pesquisadora. “A célula botânica, horta dentro de casa capaz de fazer com que a água da chuva que passa por baixo da residência seja descartada sem poluentes, também é um dos aspectos relevantes”, destaca ela.

Pelo uso alternativo e pneus, garrafas e papel, as construções de Reynolds são carregadas de conceito e visualmente marcantes, lembram ao mundo sobre a necessidade de preservação e uso inteligente das matérias- primas naturais. Sua proposta, porém, não é a única e nem unanimidade entre estudiosos da área e sempre levanta a discussão sobre a efetiva contribuição das práticas Earthship e vertentes semelhantes para a saúde do planeta.

Pesquisadores. Métodos sustentáveis não são unanimidade

A linha de pensamento Earthship não é unânime entre estudiosos da arquitetura e da sustentabilidade. A maior crítica fica em torno dos esforços humanos, financeiros e técnicos despendidos para dar conta das práticas propostas..

“A arquitetura sustentável sempre existiu. Na verdade, toda a arquitetura tenta se relacionar com o ambiente, aproveitando questões climáticas, por exemplo. Nos últimos tempos é que passaram a dar nome a isso. É preciso colocar na ponta do lápis para ver se medidas como plantação de hortaliça, por exemplo, valem a pena. Porque, no fim das contas, pode ser uma ‘faca de dois gumes’. É um campo de muita discussão”, explica o professor Romeu Duarte, chefe do departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O arquiteto e pesquisador Aderson Passos, assim como Romeu, acredita que é na medição dos resultados que esses questionamentos podem ser solucionados. “É necessário aferir quão válida a substituição de determinados materiais é condição de peso para trocar um projeto convencional por um de cunho sustentável. Muitas vezes, faz-se a opção de uma cor por ela ser mais clara e ter propriedades que tornem menos necessário o uso da energia elétrica. No momento de pintar novamente, descobre-se, por exemplo, que essa tonalidade é mais cara. E aí? O que fazer? Por isso, é relevante considerar os custos do desenvolvimento da obra e, sobretudo, da manutenção. Isso também é sustentabilidade”, enfatiza o especialista em projeto bioclimático e sustentável pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

Aderson explica que a Earthship é bastante vinculada ao entrosamento com a natureza e acrescenta que existem modelos arquitetônicos do leque de soluções ambientais que não contemplam tods as realidades do ser humano.

Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, Daniel Cardoso diz que existem em diversos países do mundo técnicas alinhadas com outras vertentes, como a Arquitetura Intuitiva, na qual experimentações são bastante realizadas. “Como fruto desse empirismo, você tem o uso de adobes (material vernacular anterior ao tijolo de barro) e materiais crus. Existe uma série de ferramentas que podem ser incorporadas, mas é preciso pensar se há viabilidade”.

Daniel é um dos coordenadores do projeto Energia Pecém, que consome bem menos energia elétrica para o funcionamento, aproveitando fontes naturais, como a solar. O docente aponta a ventilação natural viabilizada pela Arquitetura computacional e a refrigeração de baixo impacto -na qual o gás clorofluorcarboneto (CFC) é substituído por água fria – como instrumentos capazes de demonstrar otimização dos recursos financeiros e naturais usados na construção e funcionamento do prédio onde funciona o projeto.

Ao encontro dessa filosofia, vai a opinião de Renan Varela, professor do curso de Arquitetura da UFC. “O grande desafio do século é a arquitetura de baixa energia”, comenta o especialista em conforto ambiental e defensor de uma arquitetura definida por ele como “pensada por meio de conceitos mais holísticos”. “A arquitetura planejada nestas bases é de muito menor impacto e consciente dos limites do planeta. A gente não pode mais ignorar os impactos das obras para a natureza”, finaliza.

Fonte; Jornal O Povo (CE)

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