09/05/2018 – O incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, trouxeram à tona a necessidade e a oportunidade de reformar prédios e recuperar áreas abandonas nos centros das metrópoles brasileiras para transformá-los em moradias de interesse social. Há exemplos na própria capital paulista, como o do edifício Riachuelo, requalificado, e o do Complexo Júlio Prestes, em construção na antiga região da “Cracolândia”.
“Dizem que as tragédias nos fazem aprender lições para podermos então seguir em frente, restando aproveitar um episódio trágico como o ocorrido para buscar formas não ortodoxas de evitar repetições. É preciso, fundamentalmente, recuperar áreas e prédios abandonados. Temos que rever a legislação para aprovar reformas, ainda centrada em parâmetros do modernismo arcaico que rege todas nossas leis de uso e ocupação do solo e códigos de obras”, defende a arquiteta e urbanista Elisabete França, diretora de Planejamento e Projetos na Companhia de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), professora da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e do Núcleo USP Cidades.
EDIFÍCIO RIACHUELO
“O centro tem uma infraestrutura excelente. Tem coleta de lixo, tem água, tem esgoto, tem linhas de metrô. E sofre com espaços vazios, prédios abandonados, falta de conservação”, critica o arquiteto e urbanista Paulo Bruna, responsável pelo projeto de requalificação do Edifício Palácio do Comerciário Alexandre Marcondes Filho, conhecido como “Edifício Riachuelo”, na esquina da Rua Riachuelo com a Avenida 23 de maio. O prédio, de 17 andares, abriga hoje 120 apartamentos de 46 a 52 m².
“Um levantamento feito pelo Fábio Mariz, professor da FAU/USP, identificou 190 prédios na área central que poderiam ser transformados em habitações sociais. Não é preciso levar as pessoas para longe”, defende o profissional.

Edifício Riachuelo: prédio de escritórios foi requalificado e reformado para moradia de 120 famílias (Foto: Paulo Bruna/Arquivo Pessoal)
Requalificado, o Riachuelo teve seus apartamentos vendidos a preços populares para pessoas cadastradas na lista da Prefeitura de São Paulo. As parcelas variam em torno de R$ 200. “Inicialmente, o prédio seria destinado ao programa de aluguel social. Mas como houve a necessidade de demolir o Edifício San Vito, que ficava em frente ao Mercado Municipal, a Prefeitura decidiu transformar o Riachuelo em habitação definitiva e deu prioridade aos desalojados. O restante dos apartamentos foi vendido em menos de uma semana a moradores inscritos na lista. O interesse foi muito grande”, conta Paulo Bruna.
Paulo alerta, entretanto, para a necessidade de equipes multiprofissionais qualificadas, já que há diversos desafios técnicos. “Esse prédio foi construído em 1943. Nessa época, não tinha aço no país para construção. Precisávamos identificar a estrutura, mas os projetos tinham se perdido, sido jogados fora. A equipe fez do zero. Fizemos provas de carga com medidores de deformação em todos os andares. Como o prédio se mantinha íntegro e em boas condições com uma estrutura tão leve? Descobrimos que os engenheiros que o construíram fizeram paredes com tijolos maciços na perpendicular à fachada. Isso faz a estrutura reagir às pressões externas como um contraventamento”, relata.

Planta do 14º andar do projeto de requalificação: para manter a estrutura, paredes dos antigos escritórios não puderam ser derrubada (Imagem: Paulo Bruna/Arquivo Pessoal)
A solução foi a adaptação. “Não pudemos então tirar as paredes que dividiam os escritórios originais. Cada um dos 120 virou um apartamento com a metragem original”. Para o profissional, a Arquitetura Social representa um mercado em evidência. “São trabalhos relativamente mais difíceis. Você tem que ter muito mais capacidade de adaptação, mas há muito o que fazer nessa área. Há muitas possibilidades”.
Na visão do arquiteto e urbanista Paulo Bruna, o desabamento no Largo do Paissandu expõe a necessidade de desocupar e investir rapidamente em reformas nos prédios ocupados no Centro para realocar pessoas sem moradia, a exemplo do Riachuelo. “Não há outra via possível. É preciso que os moradores saiam para que sejam feitas avaliações e reformas e, quando voltarem, seja para um lugar com condições, para que possam ter segurança e cuidar. E geralmente cuidam muito bem, ao contrário do senso comum. Os moradores do Riachuelo se apropriaram do espaço, repintaram as paredes por dentro e ele continua conservado”, conta.
COMPLEXO JÚLIO PRESTES

Complexo Júlio Prestes, ainda em construção – a praça e, ao fundo, os dois edifícios residenciais já entregues (Foto: Biselli Katchborian Arquitetos Associados)
Também no Centro de São Paulo, há um exemplo de outro caminho para a mesma finalidade: o Complexo Júlio Prestes. Os prédios na área, próxima à região da antiga “Cracolândia”, estão sendo construídos do zero. Já são duas torres residenciais – Duque de Caxias e Santa Ifigênia. A previsão da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) é de que mais seis sejam entregues até o final de agosto.
A área abrange duas quadras vizinhas à Praça Júlio Prestes, em frente à estação de trem e à Sala São Paulo, local de referência da música erudita nacional. “Cinco dos prédios residenciais estão na chamada quadra 49, onde ficava a antiga rodoviária interestadual. No local, será feita também a nova sede da Escola de Música Tom Jobim. A quadra 50 abrigará outras três torres, além de uma creche pública. Todos os prédios terão espaço para comércio e serviços no térreo”, explica o arquiteto e urbanista Mario Biselli, que coordena o projeto em parceria com o sócio, Artur Katchborian.
Canteiro de obras no início da construção do Complexo Júlio Prestes, em 2016 (Foto: Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo)
Na visão de Biselli, a velocidade da execução do projeto, iniciado ao final de 2016, demonstra que o caminho para o déficit de moradias passa pelas parcerias público-privadas (PPP), como é o caso do Complexo Júlio Prestes. A Prefeitura fez a doação da maior parte dos terrenos ao Estado e a Cohab-SP firmou a parceria com um grupo empresarial para a realização do projeto e da obra.
“O problema da moradia sempre envolve um grande protagonismo do Poder Público. O mecanismo da PPP, na minha opinião, é o melhor até agora. Em um ano de obra, três torres estão prontas e uma já foi entregue. O empreendedor tem interesse em entrar logo porque ele só tem retorno financeiro na medida em que entrega”, explica Mario Biselli.

Complexo terá sete edifícios residenciais com comércio no térreo, a Escola de Música Tom Jobim, praça comercial no formato ‘boulevard’, quadra poliesportiva e creche pública (Imagem: Cohab-SP)
De acordo com a Cohab-SP, o projeto do Complexo Júlio Prestes terá 1.202 moradias. Dessas, 1.130 serão destinadas à habitação de interesse social, para famílias com renda mensal de até R$ 4.344. Outras 72 são as chamadas “habitação de mercado popular”, para famílias com renda até R$ 8.100.
O arquiteto e urbanista conta que o principal entrave no desenvolvimento do projeto não é a peculiaridade do local ou a falta de recursos, mas a burocracia. “Nosso maior obstáculo até aqui é a necessidade de aprovação de projetos pelas várias instâncias da Prefeitura. Fazemos um esforço muito grande para que isso não atrapalhe o andamento”, relata. “No mais, não vejo como obstáculo. Tratar as coisas no âmbito da Arquitetura não são empecilho, são o nosso barato”.

Renderização do projeto do Complexo Júlio Prestes, na região da Luz, em São Paulo (Imagem: Cohab-SP)
Para ele, a solução a curto prazo para reverter a deterioração dos centros metropolitanos e, ao mesmo tempo, amenizar o déficit habitacional, problemas em evidência com o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, inclui necessariamente parcerias com a iniciativa privada. “Não vejo como a Prefeitura possa ser rápida nesse processo. Estado e União também não, por problemas de caixa e questões burocráticas. Não tem a agilidade que precisa. Essas coisas tendem a funcionar com o auxílio da iniciativa privada. Digo por essa experiência. Estou vendo a celeridade como tudo está se desenvolvendo”.
Na visão de Biselli, a revitalização das áreas degradadas e a ocupação delas por residências andam juntas. “Não sei como o estado pode administrar isso. Mas sei que é possível resolver pela boa técnica. Sei que esse método funciona”, garante o profissional. A habitação é o elemento fundamental para trazer vida ao lugar. Não adianta fazer um monte de equipamento se a pessoa não mora ali”, defende.
SÉRIE ESPECIAL DE REPORTAGENS
Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.
Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.
Fonte: CAU-BR