Uma parte significativa dos deslocamentos realizados em automóveis tem distância percorrida inferior a 5 km, e atravessam áreas locais, residenciais ou centros de bairros, sem que estes sejam suas origens nem destinos. Para resgatar a vitalidade das nossas ruas e estimular a convivência e a interação entre as pessoas, é fundamental reduzir o volume (quantidade) de veículos motorizados – especialmente os individuais – em determinadas áreas, assim como limitar e reduzir suas velocidades de circulação.
Para isso, medidas de moderação de tráfego tem sido gradativamente discutidas em cidades brasileiras.O conceito de moderação de tráfego – também conhecido como tráfego acalmado, acalmamento de tráfego ou traffic calming – para além da diminuição de velocidades e de fluxo de veículos, visa a modificação do comportamento dos diferentes modos de transporte, aumentando a segurança viária e o conforto de todos, especialmente dos pedestres e ciclistas.
Transformação dos espaços de circulação: princípios para a moderação de tráfego
Uma abordagem integral para a transformação dos espaços de circulação das cidades em espaços mais qualificados, seguros e equitativos é composta também por medidas de moderação de tráfego. Sua aplicação tem como principais objetivos:
As medidas de moderação de tráfego podem ser focadas em áreas prioritárias, geralmente em vias afetadas pelo aumento do tráfego de passagem ou do número de atropelamentos com vítimas. Dentro das técnicas disponíveis, uma prática comum para qualificar a circulação em um perímetro delimitado é a gestão dos sentidos de circulação. Quatro sistemas são comumente utilizados para desestimular o tráfego de passagem através de restrições nos sentidos das vias: controle de bordo, controle interno, controle por sentido de circulação e controle misto.
Contudo, quando há a necessidade de redução de velocidades em somente uma via, pode-se requalificar o espaço da rua com a colocação de elementos de bloqueio (parcial ou completo da via) e redutores de velocidade, promovendo maior segurança para os pedestres e os usuários de bicicletas. As técnicas de desenho viário comumente utilizadas para a redução da velocidade de circulação de veículos motorizados em uma via ou em um trecho específico incluem:
Moderação de tráfego é um benefício a todos os cidadãos
A requalificação do espaço de circulação deve ser acompanhada de uma proposta de desenho viário mais inclusivo e seguro para os modos ativos. A criação de áreas de circulação de pedestres e bicicletas, o estreitamento de faixas de rolamento, diminuição de raios de curvatura, criação de percursos sinuosos e alteração no pavimento são medidas que contribuem para uma mudança de comportamento de condutores em áreas onde há trânsito de pedestres e ciclistas, garantindo assim ruas mais seguras e humanizadas.
Diversas pesquisas apontam como a largura das faixas em vias urbanas contribuem para a redução da velocidade, partindo do pressuposto de que em faixas mais estreitas, a trajetória do motorista tende a ser mais rígida e exata, acarretando naturalmente uma redução da velocidade. Na década de 70, a CET-SP realizou um estudo com a finalidade de compreender a influência que diferentes larguras de faixa de tráfego exercem sobre a segurança dos usuários, e sobre a capacidade de fluidez de uma via, na cidade de São Paulo. A publicação indica que faixas de 2,40m são ideais para garantir velocidades máximas em torno de 40km/h, considerada a mais adequada para uma circulação uniforme, amena e constante, facilitando a circulação. Já o estudo publicado pelo engenheiro Dewan Karim em 2015, com base em dados de Tokyo e Toronto, indica que a largura das faixas de circulação estão associadas com as velocidades praticadas, concluindo que faixas menos largas apresentam número de colisões inferiores se comparadas à faixas mais largas nas cidades estudadas.
Com velocidades baixas, o campo de visão do motorista é ampliado e permite maior interação com o ambiente e as pessoas ao redor, evitando colisões e atropelamentos. Para além da percepção do ambiente por parte do motorista, em velocidades baixas a probabilidade de atropelamentos com mortalidade de pedestres é drasticamente reduzida: de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a probabilidade de mortalidade de pedestres em impactos a 50km/h é de 85%, enquanto que, quando o impacto ocorre a 30km/h, a probabilidade de morte cai para 10%.
Princípios de moderação de tráfego aplicados
Uma aplicação recente do conceito de gestão dos sentidos de circulação pode ser observada em Barcelona, na Espanha. O programa “Supermanzanas” (super quadras) é parte do Plano de Mobilidade Urbana de Barcelona (2013-2018) e faz uso da gestão da circulação e de modificações no desenho viário para dar prioridade a pedestres e ciclistas no interior de “novas células urbanas” de 400 x 400 metros. Estas agrupam nove quarteirões cujas ruas internas formam uma rede local com limite de velocidade de 10 km/h. O tráfego de passagem, incluindo linhas de transporte público, é limitado ao seu perímetro externo.
Desta maneira, cerca de 70% do espaço viário hoje ocupado pelo tráfego de passagem é disponibilizado para deslocamentos a pé e em bicicleta, reduzindo níveis de ruído e de contaminação, dando um caráter mais local à rua.
No Brasil, é possível observar cidades que têm avançado em políticas para a moderação de tráfego em áreas com alto índice de colisões e atropelamentos. As áreas de velocidade reduzida (Zonas 30, Áreas 40, entre outras) são soluções simples, baratas e relativamente fáceis de serem implantadas. A regulamentação de velocidades mais compatíveis com os pedestres e os usuários de bicicletas, aliada à sinalização e pequenas intervenções de desenho viário resultam em maior segurança viária e espaços mais aprazíveis para todas as pessoas.
É importante que estas políticas sejam propositivas de um novo desenho viário mais inclusivo e equitativo. Em São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo, a implantação de projetos de moderação de tráfego é parte do escopo do projeto de requalificação urbana e segurança viária da Área 40 de São Miguel e visa remodelar o espaço de circulação em áreas com intenso fluxo de passagem e índice de colisões elevado. Em novembro de 2016, a Praça Getúlio Vargas Filho foi selecionada para a aplicação em forma de teste das medidas de moderação de tráfego previstas em projeto, com utilização de sinalização temporária (pintura de piso) e mobiliário urbano. Desta forma, pode-se observar, in loco o comportamento dos usuários na via com resultados significativos: a intervenção ocasionou a redução da velocidade dos veículos – pelo estreitamento das faixas de circulação e também por curiosidade em relação às atividades desenvolvidas – sem necessariamente impactar de forma negativa o trânsito local.
As ruas representam a maior parcela dos espaços públicos nas cidades
Em grandes centros, 70% dos espaços das ruas são destinados à circulação de veículos motorizados e somente 30% são destinados à convivência e encontro de pessoas. A moderação de tráfego é uma das medidas mais simples e rápidas para a conversão gradativa desses espaços em locais mais atraentes para viver, circular a pé e em bicicleta, fazer compras ou passeios, promovendo a segurança viária e o desenvolvimento local, sendo também um importante instrumento para a transformação do comportamento de condutores e para melhoria da qualidade de vida urbana para todos os cidadãos.